ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS NA CIDADE E NO CAMPO.



Profa. dra. Alanna Souto Cardoso (PPGG-UEPA/ IPPCS). * Coordenadora geral do Instituto de Pesquisa Projeto Cartografando Saberes- IPPCS/ cartografandosaberesxxi@gmail.com

Recentemente fui convidada pelo coordenador do PPGG-UEPA, após a aprovação do Estágio Pós doutoral Estratégico da UEPA em que fui a candidata selecionada desse edital pós doctor, a participar da coordenação do Grupo de trabalho temático Estado e Políticas públicas na cidade e no campo.

Nessa direção me levou a pensar sobre o que temos de acúmulo de luta no âmbito da academia e da sociedade civil organizada junto ao Estado Nacional e as construções de políticas públicas.

Não existe política pública sem a sociedade civil organizada. Assim como não existe democracia sem as demandas de suas organizações comunitárias e movimentos sociais que estão organizados no chamado espaço do terceiro setor da sociedade. Mas antes de tudo devemos entender o que é política pública. E como se elabora e se configura as políticas públicas no campo e na cidade.

Política pública trata-se de uma ação que se refere ao planejamento, a criação e execução dessas políticas em um trabalho conjunto com os três poderes do Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário. O Poder Legislativo ou o Executivo podem propor políticas públicas. O Legislativo cria as leis referentes a uma determinada política pública e o Executivo é o responsável pelo planejamento de ação e pela aplicação da medida. Já o Judiciário faz o controle da lei criada e confirma se ela está adequada para cumprir o objetivo. Tais elaborações e gestações de políticas públicas tem a finalidade atender direitos que já existem na constituição federal e em outras leis, e/ou ainda contemplar outros direitos que não estão na lei, mas que podem vim ser garantidos por meio de política pública, conforme as demandas sociais mobilizadas e assim garantindo a seguridade, bem estar social e o bem viver de diversas formas de modas vidas comunitários.

No âmbito da constituinte de 1988 em que traz no seu bojo o reconhecimento da chamada terras tradicionais ocupadas à luz dos territórios indígenas e das comunidades tradicionais que não devem ficar em pontas distantes dos processos de formulação de política pública o qual deve ser desenvolvida por meio do acolhimento das demandas das bases comunitárias, culturais, educacionais, de saúde e sociedade.

Nessa direção a reflexão do tradutor da obra de Cristopher Ham e Michael Hill (1993), O processo de elaboração de políticas no estado capitalista moderno enfatiza a importância da implementação no processo de política pública a partir duas perspectivas: de cima para baixo (top-down) e de baixo para cima (bottom-up) que conseguem lidar com mais fluidez com a conjuntura de democratização política que vive o país influenciando em um crescimento exponencial da agenda de governo; levando ainda a intensificação da mobilização social por meio de suas coletividades a buscarem articulações em redes políticas, científicas e de saberes ao passo que emerge uma infinidade de problema que em geral demandam soluções específicas e criativas bem mais complexas do que aquelas que o perfil convencional de elaboração de políticas públicas homogeneizador , uniformizador , centralizador , tecnocrático , típico do recém governo federal que herdamos pouco conseguiu  desenvolver .

O grande de desafio para quem está na academia ou no âmbito de poder público buscando qualificar ferramentas de diagnóstico, explicação, análisee planejamento estratégico é buscar sair do engessamento causado pelo frágil arsenal normalmente advindos de marcos conceituais que foram gerados a partir de "simplórias racionalidades "custo-benefício", ou "maximizadoras de eficiência administrativa".

Ainda na ponta da elaboração de políticas públicas o Estado precisa sair dessa relação de paralisia com os nortes de programas e projetos sociais, sobretudo, aqueles que dizem respeito a direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Ou ainda os dos povos das ilhas da região metropolitana e da periferia da cidade.

Como formular políticas públicas por meio de projetos para territórios indígenas e para as terra tradicionais ocupadas? E para os povos das ilhas e da periferia sem levar em consideração a memória coletiva e as técnicas/ acadêmicas/ políticas advindas de seus próprios territórios? Como tratar de direitos referente a garantia de estudos no âmbito de uma outra cartografia histórica que impacte na formação das escolas específicas para atender esses povos ou ainda educação básica da periferia das cidades das regiões que tem ligações mais próximas com comunidades tradicionais e povos indígenas?

Afinal, os conflitos de terras que atravessam esses povos e seus territórios remontam os tempos da escravidão, seja nas florestas ou nas periferias da cidade onde estão circunscritos, por exemplo, grande parte dos povos dos terreiros, indígenas de/ em contextos urbanos; quilombolas e ribeirinhos migrados para cidade em busca de emprego e/ ou educação.

Há desmatamento, queimadas, desequilíbrios climáticos, perdas de territorialidades de muitos destes povos, violências das memórias dos seus antepassados além de assassinatos e/ou acossamentos de suas lideranças comunitárias locais , sofrem ainda de racismos diversos, além do racismo ambiental que chega, também, na chamada Baixada ribeirinha , no caso de Belém do Pará em que os rios e igarapés que atravessavam a cidade foram soterrados e escamoteados, "afastados" do centro saneado e mais urbanizado da cidade.

Existe lugares da cidade de Belém, a citar, a Bacia do Tucunduba ou ainda a Bacia do Mata fome, em que a população local ainda tem um forte relação com o rio, embora as águas estejam poluídas e com sérios problemas de saneamento.

E quem são esses moradores ribeirinhos da Bacia do Mata fome? Aqui se localiza o racismo ambiental e a relação da memória local, quando não se cria mecanismos de revitalização urbana e de drenagem do canal que impacte no empoderamento social e étnico-racial dessa população que ainda vive até mesmo da pesca e seus estados de vidas econômicas tradicionais no âmbito da revitalização das habitações e da recuperação dos igarapés.

Não basta recuperar as águas feridas, corrompidas, mas também respeitar os modos de vida de quem "está ainda a tomar banho de canal quando a maré encher".

Há programas sociais no município de Belém, por exemplo o "ta selado", que busca, a princípio mobilizar representantes de bairros e das ilhas por meio das unidades institucionais polarizadas pela prefeitura de Belém que compuseram 8 conselhos distritais em que demandaram propostas prioritárias, conforme a perspectiva de administrativa e de planejamento que orientam a gestão da cidade de Belém. Diz a comunicação institucional do programa:

(...) base para a elaboração do Plano Plurianual (PPA), Lei Orçamentária Anual (LOA) e do plano de longo prazo, "Belém 2035, 200 anos da revolução cabana". O Tá Selado é o Fórum permanente de diálogos entre prefeitura e comunidades de bairros, distritos e ilhas para definir eixos de condução de projetos de cidade de uma gestão democrática e popular.

Mas o que, de concreto, alcançou o "Tá selado" referente aos problemas, necessidade e os anseios da população dos bairros e das ilhas nesse ano de 2022 saindo do contexto pandêmico? Em temos de cultura, saúde, direitos, cidadania, memória, patrimônio histórico cultural, educação ambiental e comunitária, cartografia sócio ambiental e revitalização de áreas com conflitos urbanos de moradias, além de acesso a bioeconomia para os povos da baixada da cidade? Para os indígenas em/ de contextos urbanos? As mulheres quilombolas, as mulheres indígenas e ribeirinhas? As demandas da população LGBTQI+ ?

As agendas das prioridades ficaram nos núcleos digitais * híbridos, presenciais e online dos distritos de bairros? Basta enxergarmos com os nossos próprios olhos as obras prioritárias da cidade demandadas para o PPA de 2022/ 2025: https://decide.belem.pa.gov.br/processes/espacos-participacao-cidada/f/26/ . Quase 100% asfalto, construção/ reforma de praças e pavimentação. Daí, pergunta-se essa foi mobilização da participação popular dos distritos quase 50% das discussões online? É sabido da dificuldade do acesso de tecnologia digital para os povos das ilhas ainda mais deslocados do processo. E que parecem que o grosso da população dos bairros e das ilhas não foram consultados e muitos/muitas seguem desinformados dos seus direitos de participação e de acesso ao chamado Banco do povo.

Nesse sentido pensar, entender e fazer políticas públicas atualmente no Brasil e na Amazônia no campo e na cidade está ligado em dois aspectos na minha ótica dupla, pesquisadora/professora universitária e gestora de associação científica comunitária, a princípio deve estar caminhando com a força de aprovação das agendas políticas no âmbito do poder legislativo em que pese a supremacia da iniciativa privativa do presidente em termos de quantidades de temas que movimenta o processo de democratização política que tramita no país atualmente, a citar a de solicitar urgência concernente aos seus projetos. Além, de deter lideranças nas casas do Congresso, o que ajuda no compartilhamento da gestão com suas bases para então poder liberar as emendas do orçamento e dialogar a flexibilização do conteúdo das políticas públicas.

Por outro lado enquanto gestora de associação científica comunitária sem fins lucrativos, do Instituto de Pesquisa Projeto Cartografando Saberes (IPPCS), atualmente sem sede física, apenas escritório pró forme, que passa adentrar no âmbito das disputas desleais de liberação de emendas parlamentares em que pese a força de grupos hegemônicos mais estruturados na cadeia alimentar da captação de recursos junto à assembleia legislativa do Estado e/ou ao Congresso federal ainda é um domínio das relações de poder dos órgãos públicos e/ou do grande setor privado com pouco acesso ás organizações do chamado terceiro setor onde se localizam as ONGs, as associações e federações.

Estas organizações que desde da década de 1990 com a promulgação da chamada Lei do Terceiro Setor que passava a qualificar essas organizações, tidas enquanto personalidades jurídicas, denominadas de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, as OSCIPs . Tal qualificação e certificação gerava ás organizações da sociedade civil acesso á novos recursos por meio de um termo de parceria entre elas e o Poder público para âmbitos de suas finalidades. Passavam então a assumir obrigações de transparência administrativa.

Todavia, ainda impera muita nebulosidade referente aos vínculos e relações entre essas OSCIPs , o poder público e o setor privado, sobretudo, no que se refere á captação de recursos, a gestão e o planejamento. O que leva muitas Fundações privadas e Associações sem fins lucrativos (FASFIL) não conseguirem se estabelecer enquanto OSCIPs na emissão de certificações OSCIP. Ainda são pouquíssimas cadastradas no Ministério da Justiça , cerca de 6.258 diante do universo de cerca 338, 2 mil FASFIL sem essa certificação desde a vigência da Lei no. 9070/99 ( Oliveira ; Gódoi de Souza, 2016). Nesse panteão as ONG`s quase sempre em alinhamento de assistência social e no geral em oposição ideológica ao governo, contudo ainda são poucos organizações do Terceiro setor motivadas a aderirem á lei por falta de incentivos mais justos do que o que já existe na situação vigente atual.

Neste sentido é desafiador para o Terceiro setor da sociedade no campo/ na cidade passarem, de fato, a serem melhor avaliados nas agendas sociais e científicas do Poder Público e Privado para que esse Primeiro setor possa ampliar o leque de organizações com proposições de gerar política pública por meio da realização dos projetos das associações e os chamados termo de celebração de parceria .

O Estado , nessa direção, poderá , de forma, mais democrática medir as relações de extensões para além dos grilhões da burocracia interna, ampliando e inserindo essas organizações em um cenário maior de desenvolvimento sustentável que possam aplicar uma ação mais expressiva em torno do diálogo sobre um novo marco legal para este setor em termos de "(...) a capacidade de planejamento, negociação e parceria para captação de recursos e, principalmente, na capacitação dos gestores sociais para obtenção de melhores resultados sem, necessariamente, perder o foco e a missão do fim social" (Oliveira ; Gódoi de Souza, p. 196, 2016) .

REFERÊNCIA

Oliveira, Eider Arantes, Godói-de-Sousa, Edileusa. 2016. "O Terceiro Setor No Brasil: Avanços, Retrocessos E Desafios Para As Organizações Sociais". Revista Interdisciplinar De Gestão Social 4 (3). https://periodicos.ufba.br/index.php/rigs/article/view/10976.

Ham, Cristopher & Hill, Michael. (1993). O processo de elaboração de políticas no Estado capitalista moderno (R. Amorim & R. Dagnino, Trad.). Adaptação e revisão: Renato Dagnino. Campinas-SP: Editora da Unicamp.

CARDOSO, Ruth. Carta da D. Ruth. In: Presidência da República Federativa do Brasil/Casa Civil/Secretaria Executiva da Comunidade Solidária. Construindo a agenda social: síntese preliminar das seis rodadas de interlocução política do Conselho da Comunidade Solidária. 1996-1997. Brasília. Documento do Programa Comunidade Solidária, 1997. Internet: www.comunidadesolidaria.org.br. Acesso em 31/05/2000

Cardoso, Ruth Correa Leite et al (Org). Comunidade solidária: fortalecendo a sociedade promovendo o desenvolvimento. Ed. Comunitas. 2002. Rio de Janeiro.

AGE, Yuri Pereira Carneiro. O PTP e as limitações para a efetivação de políticas públicas: participação popular no governo de Ana Júlia Carepa (2007-2010). 2012. 90 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Belém, 2012. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política.