TRECHO DA AVALIAÇÃO DO PROFESSOR JOÃO PACHECO DE OLIVEIRA
 

(Museu Nacional-UFRJ) REFERENTE A TESE Descolonizando a cartografia histórica amazônica (Cardoso 2018): tese de doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (UFPA) defendida por Alanna Souto Cardoso sob a orientação de Rosa Elizabeth Acevedo Marin ( NAEA-UFPA).o aqui...

Aqui na transcrição destaquei a partir do minuto 43: 11, pois ele faz apontamentos mais críticos referente ao campo da antropologia e da história. Mas o áudio da avaliação dele ( anexo na caixa acima de diálogo) que disponibilizamos vale escutar, pois dança e joga muito bem com a tese apresentada.

No min 43:11 . João Pacheco no decorrer da avaliação faz uma crítica construtiva e relevante ao livro clássico da Manuela Carneiro da Cunha, "A história dos índios do Brasil", muito embora esse próprio mestre gigante da Antropologia Histórica reconheça que não é a minha perspectiva de trabalho e nem é a perspectiva dele no sentido que ele mesmo diz : (...) que na verdade aparentemente busca juntar história e antropologia , mas na realidade do meu ponto de vista ele só isola e junta dentro do amarrado do livro , mas o que realmente a gente vê é que os antropólogos continuam falando de seus objetos e a História brasileira convencional, classista, racista, machista , etc e tudo mais, a história brasileira continua intocada com os seus períodos , com suas coisas , ninguém detona essa história, né? Então eu acho que a preocupação do Nascimento do Brasil ao falar de antropologia histórica é isso. Nós não queremos recontar a história de um fragmento: por que esse lápis está sem a cabeça dele? Nós queremos discutir todo cenário, nós queremos discutir as relações de dominação, a composição, as ideologias porque se não for isso nós não vamos entender nunca o Brasil. O Brasil vai continuar a ser uma peça bastante copiada do EXTERIOR E SÓ VAI FAZER SENTIDO enquanto modelo copiado de matrizes europeias, francesas, japonesas, inglesa, americana, russa, chinesa, mas o Brasil nunca pode falar enquanto Brasil, pois ele não será nunca contador de uma voz própria..."

(...) Então eu gostei muito desse teu exercício de atravessar os tempos históricos fazendo uma leitura rica e densa das pessoas. E procurar fazer com que elas realmente vivam...os temas, as interpretações, eles não são somente de um século, eles passam para outros. E eles são sempre reescritos. Uma hora de uma observação que você faz ao final do trabalho ...é anotando dentro do seus levantamento apareciam 146 povos indígenas...então toda essa quantidade de povos. Hoje na região marcada por isso, você pode chegar e levantar 6 (seis) povos, agora na realidade esse cálculo é um cálculo parcial, pois a gente está terminando um jogo que não acabou, alguns desses que não está lá dentro. Vão aparecer, como o borari, como outros e realmente as emergências estão acontecendo a todo momento e são absolutamente legítimas e essas pessoas estão procurando descobrir um destino que foi reprimido ...foi desensinado, foi escamoteado deles...então esse processo vai continuar existir...

"Outro ponto é a questão da descolonização que você já coloca bem dentro do título do trabalho. É uma discussão que começa e termina o trabalho...é sim sua mais reiterada marca..."

' Mas eu acho que queria retomar um pouco essa discussão de descolonização que hoje, também, já virando uma palavra de uso comum dentro da antropologia , das ciências humanas, etc...então quando vocês ouvirem o uso, vocês não batem palma...vocês podem estar falando de coisas bastante equivocadas...e eu acho que você soube se mexer muito bem dentro dessa área.

De um lado existe mais pessoalmente na antropologia, uma visão da descolonização que é muito carregada no sentido de pensar cada povo como a mônada , como um planeta isolado, como uma galáxia isolada, e as categorias são todas marcar as especificidades daquela população , daquele modo de pensar, se recupera a filosofia... se recupera categorias como ontologia, epistemologias e se faz sempre dentro dessa ideia da virada , nessa direção, trabalha-se sempre com coisas que em outro momento , você diria pura e simplesmente são culturais , mas agora você tem nomes mais ilustres, mais profundos ...mas continuam ser coisas culturais.

O que a gente tem sempre que se perguntar ...o que existe atrás desse tipo de construção. E eu acho que é sempre o essencialismo. Você transformar , grupos de pessoas, épocas ...que passam fazer sentidos nelas mesmas que passam significar o que você quiser,conforme seus interesses, e com as suas ideias...essa questão do essencialismo ...na antropologia é uma moda que graça, de um modo extremo...aí você quer originalidade, mas você pensa os Xavantes, por exemplo, aí você quer repensar o mundo na escala xavante, você quer repensar o mundo na escala Ianomami, você quer pensar o mundo na escala de uma população específica , mas esses são exercícios míopes! "E ninguém vai descolonizar a partir desta perspectiva ...essa perspectiva vai permitir compreender a relação entre a sociedade, aqueles atores diretamente envolvidos e aquela população ...vai ser possível encontrar as agências dos indígenas em escala local, mas para entender o Brasil...isso aí é uma gota d`água...isso aí não tem nenhum sentido...dentro de um processo como esse , o Brasil não é país marcado pela presença de um grupo étnico que tem capacidade de imposição sobre outro, mas é um país marcado por uma fragmentação extrema de populações ...então você entrar numa perspectiva dessa é você está realmente abrindo mão de uma visão de totalidade do Brasil. Para você simplesmente produzir utopias bonitas, específicas, isoladas, mas que não tem nenhuma aplicação , somente se aplica em escala estritamente local...

"Em outra direção queria voltar para essa questão do essencialismo...e acho que você faz isso com muito cuidado porque esse tipo de essencialismo ele seduz muito aos militantes políticos e frequentemente ele permite falar de uma especificidade radical... uma especificidade que aparentemente é só dele...da vitória moral...perdemos em todos os aspectos, mas ganhamos o da vitória moral...eu acho que é uma visão absolutamente culturalista e defasada. Ninguém quer uma vitória moral...as pessoas querem uma VITÓRIA TOTAL! Elas querem terra, elas querem saúde, elas querem educação, elas querem também reforçar o orgulho étnico, a língua, os rituais, e tudo mais , elas não querem separar essa parte...esses são índios de museu, sempre com tacapes, pintados, que estão colocado em vitrine para serem vista e imutáveis. Mas a realidade não é assim ..."

"Você cita o Said e o Said tem trechos belíssimos que ele diz que a melhor condição não é aquele que se orgulha da sua identidade , mas aquele que é capaz de transitar a outras áreas , o exilado, enxergar a sua e os outros, então na verdade é esse o exercício importante...esse exercício você faz com muito cuidado . Em nenhum momento você embarca em uma ideologia específica de indígena, específica de quilombola...então você conseguiu lidar muito bem com isso, embora do ponto de vista político é muito sedutor ...é na verdade quem está se entregando ao canto de sirena de um ponto de vista absolutamente imobilista, elitista e que pensa o contrário de todas as propostas.

" Você cita o Fanon : " o negro é mais para o outro do que o colonizador"...ele é mais para outro. Isso que dizer o que: Nas suas cogitações. Ele considera mais a presença do outro. Fanon claro ele não esta falando de uma coisa isolada. Ele está falando do negro, sobretudo, da África... Ele está falando sobre uma realidade específica...eu acho que isso pode ser transportado ipsis litteris para todos os dominados, só quem navega à velas plenas são os dominantes, dominado sempre tem que dominar a situação, sempre tem aprender mais de uma língua... usar diferentes códigos, faz parte de suas estratégias de luta e se descolocar por diferentes coletivos..."

" Você fala que não é somente trabalhar com uma experiência de um só ator , mas trabalhar com as interações... com as lutas e com os conflitos."

João Pacheco segue avaliando e relacionando a tese com outros caminhos alternativos para os trabalhos científicos juntamente com os indígenas. Em especial, sobre as reflexões dos indígenas referente as lutas indígenas e os conflitos de terra que estão relacionadas com diversos aspectos inclusive para o entendimento das sociedades indígenas.

Tese disponível na Biblioteca Digital Curt Nimuendajú : https://www.etnolinguistica.org/tese:cardoso-2018