O processo de violência contra lideranças docentes indígenas fora do padrão oficial e da subordinação estatal: uma crônica da sobrevivência no ofício de educadora indígena urbana e ativista social

A crônica do dia emerge em meio a muitas tarefas políticas que demandam empenho, solidariedade e o fortalecimento de uma rede indígena que se reconhece pelas suas memórias vivas e pelos troncos paternos e maternos, estando ou não nos territórios ou nas comunidades ribeirinhas em processo de retomada e demarcação.

Quando as "aldeias" chegaram às cidades? Ou quando a cidade chegou à "aldeia"?

A croniqueta fala de um dia de fúria, quando se "descobre" indígena ao ouvir suas próprias memórias: o puxirum (mutirão); a produção de farinha com tipiti; a roça e a agricultura feita por mulheres; a pesca, a caça e a canoagem no jacamaúba feitas pelos homens... Todo esse processo de revisão do traumatismo craniano caboclo se cura quando esse homem aciona seus direitos e diz: "Eu sou Tupinambá". Esse homem é meu pai: Ademar da Silva Cardoso, filho de Duvalina Silva, sem registros oficiais da comunidade Mutuacá.

Reza a lenda que ela foi pega no laço — um laço que ela mesma desfez na recriação da sua família e na autossustentação dos seus saberes comunitários. Foi isso que moveu minha avó, seus filhos e filhas, meus tios e tias: o movimento migratório em puxirum entre Mutuacá e a comunidade da Boca D'Ateua, no Moju. Ali existem memórias de indígenas remanescentes dos antigos do povo Caamutá, que se encontraram com os Anambé, mas, diferente destes, não foram postos em reserva nem aldeados... (r)existiram sem lenço e sem documento, chegando até Belém.

O elo comunitário daquele puxirum era minha avó. Depois de meados de 1987, o elo mais forte da nossa vida de remanescentes de indígenas ribeirinhos foi interrompido: nossa entidade indígena cabocla, a vovó Mazica, desencarnou.

Saber que sua avó é indígena, na era da ideologia da mestiçagem — entre o fim do Estado Novo (1930–1945) e o golpe militar (1964) —, foi resistir e (ex)istir enquanto cabocla. Mas o que a salvou, morando às margens dos rios nas antigas terras de engenho do Baixo Tocantins? O poder de ser invisível (in-visível). Sem registros e semi-analfabeta, não se afogou em tutelas nem em subordinações.

Não se nasce indígena quando tido como caboclo ribeirinho? Torna-se? Não é exatamente como 2 + 2 são quatro, não é tal qual para o negro... A retomada indígena está na responsabilidade de suas memórias, no inventário de suas memórias coletivas, enquanto sustentação empírica de suas existências — até mesmo científica, pela história oral.

O reconhecimento do meu pai, não mais como um "índio genérico", caboclo, significa o despertar e a emergência de sua memória. É a cura do traumatismo histórico das mentalidades caboclas ribeirinhas, que sempre souberam o que eram e são.

Eu, filha adulta e indígena, que entre o rio Moju e Belém cresci, despertei e me organizei no instante em que meu pai mais necessitava de seu próprio reconhecimento. Ele jamais brigaria por isso... Assim como tantos caboclos ribeirinhos, foi moldado a aceitar o destino imposto e a obedecer — entre o peso do patronato, o fio do clientelismo e as roças silenciosas das terras da serraria do Piriá.

Ah, que dia de rebeldia étnica quando esse senhor de 76 anos emergiu e disse: "Minha filha, nossa etnia é Tupinambá."

Introduzo esse contexto para desabafar: assumir uma identidade indígena no âmbito do poder público e da produção científica acadêmica não vem com a mesma serenidade que emergiu do meu pai no seio das nossas memórias.

Ser liderança indígena e professora nos coloca em situações de assédio, racismo e discriminação, sobretudo porque a identidade indígena ainda está atrelada ao rural, à terra. Se estamos na cidade, o olhar do cientista-burocrata é de estigmatização: afinal, "quais os saberes tradicionais dela?" Pois não estou no rural, nem com toda a língua indígena pronta, tampouco me coloco em situação de "aldeada", nem disponho de todos os aparatos que a burocracia exige para reconhecer.

"Aldeia" é um termo até reutilizado pelo movimento indígena, que se apropriou da nomeação desde o período colonial para lutar enquanto comunidade demarcada pelo Estado. Mas "nação" é outra coisa: diz respeito à organização de um povo a partir de suas administrações, leis internas e reinvenções de suas tradições.

O que a burocracia perde de vista é que os saberes que dizem querer visibilizar também estão nas cidades e nas ruralidades urbanas, na incidência política indígena urbana. É isso que nós, indígenas urbanos e periurbanos, podemos ensinar, para além do fortalecimento e aprendizado da língua materna contemporânea dos povos Tupi, em especial do nheengatu amazônico.

O meu reconhecimento indígena vem primeiramente do meu pai, da minha tia, da minha avó Duvalina Silva, que sobreviveu com muito esforço, não sendo enterrada como indigente. Vem da flecha, da cuia, do mutirão e do tipiti da minha família. Não vem da consagração externa de nenhum cacique de outra região — ainda que os caciques Tupinambá de outros territórios da Amazônia e do Brasil saibam que esse é o real procedimento da existência e do reconhecimento responsável das memórias indígenas ribeirinhas, em regiões antigas da colonização e da escravidão.

"Nasci na floresta, não tenho senhor", diz o espírito da minha avó.

Outra situação importante que devemos repensar, enquanto indígenas Tupinambá — e também de outros povos —, é a disputa por lideranças. Em alguns grupos, a "justiça indígena" se converte em luta por poder, inclusive ligada a setores da esquerda que recentemente perderam as eleições municipais de Belém. "Dois pesos, duas medidas?" Eis a questão: relevar e acolher homens que agridem diversas mulheres indígenas?

Homem que agride mulher indígena — seja por violência física ou moral, ameaças psicológicas, calúnias ou difamações —, quando comprovado e em julgamento nos tribunais oficiais, ainda assim continua sendo consagrado como liderança indígena? A memória familiar dessa liderança pauta-se em qual avó indígena? Em qual comunidade?

Retomada indígena não pode se tornar banalidade do mal.

Enfim... diante dessas reflexões e da conexão com minhas memórias, sigo fortalecendo minha caminhada própria, autônoma e digna enquanto educadora popular, comunitária e cientista indígena. Sem privilégios e com pouquíssima facilidade para atravessar as portas do poder em processos seletivos, enfrento violências morais, tentativas de diminuição do meu lastro científico-político e a domesticação da educadora indígena — fora da fábula racial, quando és o que és, mas não te subordinas à servidão nem à vassalagem.

Ser empregada doméstica foi o destino de muitas das minhas tias quando chegaram em Belém. Eu sou a única, da primeira geração de netos diretos, que conseguiu concluir um doutorado e dois pós-doutorados em universidades públicas — inclusive em intercâmbio internacional.

O único privilégio que tive foi o investimento e a força do meu pai, que me educou, investiu em boas escolas e me fez focar nos estudos — sem luxo, sem lixo.

Por eles não desisto. Supero todos os dias a depressão e a síndrome do pânico, resultado de um padecimento em 2022 que se reproduziu em situações de negligência e perseguição à minha pesquisa em 2023 e 2024. Mas ainda assim a morte não me atingiu. Afinal, há vários tipos de morte: no campo, em Anapu, mataram Dorothy Stang com um tiro pelas costas; aqui na cidade, os tiros são outros. A diferença é que nem sempre a morte é física.

Adelante.

Com amor e vitalidade, para minhas avós maternas e paternas, que embalam minhas memórias e me ajudam a não me esquecer — a me levantar e me manter de pé.

Alanna Souto Cardoso Tupinambá